INTRODUÇÃO
A Bíblia tem sido usada através dos tempos para posturas homofóbicas. As interpretações tradicionais levam a uma visão heterocêntrica, sendo responsável por uma série de preconceitos acerca da diversidade sexual humana, destruindo vidas. Assim com foi usada para defender a escravidão, racismo, inferiorização da mulher e outros preconceitos. Observamos que a Bíblia reflete uma moral da sexualidade de forma patriarcal. À primeira vista e sob uma análise superficial, encontramos na Bíblia “provas” de que a homossexualidade é uma prática pecaminosa. Nela encontramos atos homogenitais e não homoafetivos, realizados em ambiente Cultual e cultural.
A homossexualidade, termo recente, é um conceito amplo, que ultrapassa os limites da libido e abrange elementos emocionais e psicológicos tal como ocorre na heterossexualidade. O amor é um sentimento não constitui exclusividade dos heterossexuais. A Bíblia não trata deste assunto universal. Nada há na Bíblia que condene um relacionamento com compromisso entre duas pessoas do mesmo sexo. O método histórico-crítico de interpretação, que considera fatores históricos, culturais, antropológicos e lingüísticos, para uma perfeita compreensão, contextualizada e aplicada ou não de textos bíblicos para a Igreja e sociedade de hoje. Partimos deste método para a compreensão da Bíblia.
Gênesis
Deus criou homem e mulher, e os homossexuais o são. Não há terceiro sexo. Porém, a sexualidade humana vai além da noção de gênero e genitalidade. O casamento heterossexual era padrão daquelas sociedades, que prezavam pela procriação, fortalecimento e perpetuação de seus clãs. Embora a homossexualidade seja tão antiga quanto à humanidade, a homoafetividade é um conceito antropológico, social e historicamente recente, assim, desconhecido pela sociedade judaica das eras bíblicas. Gênesis é uma descrição do padrão de uma sociedade patriarcal e em determinado contexto. No principio havia necessidade de povoar a Terra. O próprio Jesus afirmou que o casamento heterossexual não era para todos (mat. 19:10-12).
Sodoma
A concepção popular de que o grande pecado de Sodoma foi o comportamento homossexual é resultado do pensamento do teólogo e filósofo medieval Tomás de Aquino (1225 – 1274 d.C.), influenciado, possivelmente, pelos escritos de Filo de Alexandria (20 a.C – 50 d.C) e pelas idéias de Agostinho de Hipona (345 – 430 d.C.). Foram os escritos de Aquino que consagraram o uso do termo “sodomia” com relação ao sexo entre homens. Sodomia também se tornou sinônimo da penetração anal praticada por heterossexual. Em uso mais restrito, o vocábulo também equivale à zoofilia. O senso comum endossou o conceito de que práticas homogenitais era algo comum entre os habitantes de Sodoma, mas Ló possuía genros (Gn. 19:14). Os habitantes de Sodoma e Gomorra eram cananeus (Gn. 10:19), pagãos, idolatras de caráter orgíaco, ao sacrifício humano, inclusive de crianças.
O capítulo de Gênesis 19:1-11, narra o episódio. O pecado de Sodoma e Gomorra, era a falta de hospitalidade entre outros, conforme Ezequiel 16:48-52, assim como Sabedoria 19:13 e Mateus 10:5-15, Lucas 10:10-12. Não há textos bíblicos que relatem atos homogenitais cometidos ali. E ainda que tais atos tivessem sido relatados, o seriam em um contexto de violência e abuso ou como expressão dos ritos orgíacos das religiões cananeias. A pratica de abuso sexual contra estrangeiros, motivada pela xenofobia, era comum na Antiguidade. Vide Juízes 19:15-28.
Há, ainda, outros textos que merecem menção II Pedro 2:4-10 e Judas 6 e7 e Gênesis 6. Relato de seres angelicais possuindo mulheres, relações sexuais entre seres e natureza distintas, de carnes diferentes. O livro de Enoque 6:1 e Testamento dos doze patriarcas, seção VII,capítulo 3, versículo 2, fortalece este fato. Outros livros não reconhecidos pelos católicos e protestante, também relatam os mesmos fatos. A relação sexual de natureza diferente.
Levítico
Outro texto utilizado para condenar os homossexuais é Levítico 18:22 e 20:13. O objetivo do Livro são o sistema de leis religiosas, civis e morais para o povo de Israel. Também chamado de Código da santidade. Que em muitos casos estavam condicionados a manter os hebreus distantes das práticas pagãs. O texto se refere a praticados prostitutos cultuais e religiosas. As religiões cananeias enfatizavam a capacidade reprodutora da terra, as colheitas e tudo que estava ligado à fertilidade, pois eram essencialmente agrícolas. A relação do povo com os prostitutos era para que o sêmem fosse depositados no sacerdote para que alcançasse fertilidade em suas colheitas. A palavra hebraica abominação é toebah ou toevah e na linguagem bíblica se refere à idolatria e não propriamente a algo moral.
Os Evangelhos
Ainda usando os critérios de interpretação, a análise textual, lingüística, escriturística e sociocultural. Segue-se a análise dos textos.
Não são raros os episódios em que Jesus é criticado pelos sacerdotes fariseus por seu comportamento contrário a alguns estatutos da Lei, que quebrou muitos paradigmas de sua época, mas em momento algum fala da homogenitalidade. A prática homogenital era comum na época de Jesus, tantos pelos gregos como romanos. O discurso de Jesus não estava centrado no cumprimento da Lei Mosaica, mas da lei maior: o amor (a Deus, ao próximo e o amor próprio – Mateus 22:34-40).
Jesus reconhece a existência da diversidade sexual, Mateus 19:3-12. Ele fala dos eunucos: 1) há eunucos de nascença; 2) há eunucos que foram feitos pelos homens; e 3)os que se fazem eunucos pelo reino de Deus, ou seja, os celibatários. Eles eram responsáveis para servir nos palácios e garantir a certeza da paternidade dos filhos dos monarcas. Os de nascença não tinham libido heterossexual, ou seja, naturalmente aptos para guardar as mulheres. Estes eram na verdade homossexuais. No hebraico e no aramaico (língua falada por Jesus) não havia uma palavra específica para designar os homossexuais, mas estudos indicam que o termo eunuco era também usado para se referir aos homossexuais masculinos, em hebraico era sáris hammâ os de nascença, e os feitos por homens eram sáris ‘ãdhãm.
Outro relato dos Evangelhos é o episódio envolvendo Jesus e um centurião romano da cidade de Cafarnaum. Narrado por Mateus, Lucas e João. E Mateus o comandante se refere ao seu escravo usando a palavra pais. Esta palavra pode ser criança, menino ou servo (escravo sexual). Lucas usa a palavra entimos, termo que denota, também afetividade e intimidade. Enfim, não era um servo qualquer, vista preocupação pessoal do centurião em relação ao servo.
Romanos
O texto é Romanos 1:18-32 usado para condenar a homoafetividade. É o único a mencionar relações entre mulheres. Todas as vezes que a Bíblia cita explicitamente atos homogenitais, o faz sem qualquer relação a compromisso afetivo entre partes envolvidas. O contexto é sempre a prostituição, a idolatria e o abuso. Desta vez, no Império Romano, famoso por seus escândalos sexuais e excessos de todas as maneiras. Paulo queria demonstrar as terríveis conseqüências da idolatria para os cristãos de Roma, certamente acostumados com os vários deuses e seus cultos. É interessante notar que a expressão “por isso” introduz uma idéia, um fato, decorrente de outro, anterior, ou seja, a idolatria (versículos 23-25) . Para entender melhor as transgressões sexuais apresentadas por Paulo, em conexão com a idolatria, é necessário analisar a natureza dos cultos pagãos romanos. Rituais orgíacos eram comuns nos cultos pagãos dos antigos romanos. Os rituais descritos eram cheios de transgressões. Adultério, incesto, atos homogenitais entre homens e assassinatos. Todas essas práticas eram generalizadas, Tito Lívio assim descreve.
O texto é claro em dizer que as mulheres e os homens mudaram o uso que lhes era natural, se entregando a paixões (não amor) vergonhosas. Paulo condena as pessoas heterossexuais que, contra sua própria natureza, se entregam a certas práticas em um contexto idolátrico.
I Coríntios e I Timóteo
Os textos são I Coríntios 6:9-10 e I Timóteo 1:9-10. Seu significado depende de duas palavras gregas, malakoi e arsenokoitai, cuja tradução é muito controvertida. A primeira (vocábulo raro formado por arseno = homem e koitos = cama), só aparece uma vez na Bíblia e a segunda o significado literal é “mole, macio” . O grande problema é o real sentido da palavra. O mais sensato, já que Paulo trata de pecados genéricos, seria traduzir malakoi como referência a um comportamento libertino e luxurioso. Cada tradução usa palavras diferentes no português, são mais de dez. Corinto era uma cidade famosa por sua licenciosidade e prostituição, tanto nos templos como em locais específicos. Os delitos dos malakoi e arsenokoitai, constitui escolhas pessoais e não refere à realidade homoafetiva, a qual se impõe sobre homens e mulheres, não sendo uma opção. Estas palavras podem se referir a práticas homogenitais como a prostituição e o sexo abusivo, levando em conta o contexto sociocultural de Corinto e demais cidades do Império Romano. Talvez, jamais saibamos com certeza o real significado para estas palavras neste texto, mas uma coisa é certa: tais termos não se refere às pessoas homoafetivas, muito menos refletem a realidade psicoafetiva da homossexualidade contemporânea.
Davi e Jônatas
A história de Jônatas e Davi sugere um relacionamento em todos os aspectos mas, um sentimento de amor entre dois homens. Em Primeiro e Segundo Samuel é descrito entre eles uma relação cujos sentimentos se mostram intensos demais para uma amizade, ainda mais se levarmos em conta o contexto social da cultura judaica. O texto descreve algo como amor à primeira vista ( I Sam. 18:1 ). Jônatas amou Davi como a sua própria alma. O texto diz que Davi e Jônatas beijaram-se. Há vários relatos de beijo no Antigo Testamento, porém, não há nenhum outro caso de beijo recíproco entre dois homens. Os encontros eram sempre em segredo (I Sam. 20:1-23; 35-41). É provável que o juramento eterno na despedida revele a impossibilidade de uma vida em comum, os laços tão profundos entre eles ultrapassaria até mesmo a morte ( I Sam. 20:42 ). Leia ainda II Sam. 1:26. O hebraico não era como grego que possuía várias palavras para expressar os diferentes tipos de amor, amor era amor. Ao usar a palavra irmão, observa-se que Cantares de Salomão 4:10, se refere à pessoa amada. Outro texto importante é I Sam. 20:30, onde há reprovação de Saul. Outros relacionamentos na Bíblia são passiveis de discursão: Daniel e o eunuco-chefe de Nabucodonosor e Rute e Naomi.
Conclusão
Muito há para ser estudado e discutido. Partimos da leitura da Bíblia com a abordagem histórica-critíca, onde a lemos em seu contexto histórico e cultural original. A Bíblia não trata de nossas questões atuais sobre ética sexual. Ela deseja mostrar o amor de Deus revelado em Jesus Cristo a todos e todas sem distinção quanto a qualquer aspecto do ser humano. Lembramos ainda que fomos criados a imagem e semelhança de Deus e tudo que Deus fez é bom. A Bíblia parece deliberadamente não está preocupada com relações sexuais baseada no amor e respeito mútuo.
Texto extraído do Livro: Bíblia & Homossexualidade: verdades e mitos de Alexandre Feitosa, metanoia editora.
Sugerimos ainda o livro: O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade de Daniel A. Helminiak, Summus editora